E a vida?
Hoje tive uma experiência inusitada. Conheci um cara q levou um tiro no
pescoço do lado esquerdo, e saiu na mandíbula do lado direito. Julian. Casado
com a Tatiana. Assalto. O cara me diz que levou um tiro num assalto enquanto
espera de meia noite, o 601 na parada do Manaíra. Sim. Do lado do São José. Sabe
o que é pior? O 601 não estava passando. Fomos caminhando pelo Retão até a
parada do Mag para o 510. Ops. Foi isso que aconteceu: ele não me disse isso na
parada. Ele disse no caminho. Eu fiquei vendo a cicatriz da bala, circular e
grande, aquele monte de pele deformada regenerada aos trancos e barrancos pelo
organismo do rapaz. Do outro lado a cicatriz da saída da bala era maior. Bem
maior. Isso não me impressionou. a cicatriz da cirurgia pra reconstituir alguns
tecidos dentro do pescoço dele me impressionou. Ia do buraco de entrada da bala
até dentro da camisa e sabe-se lá até onde. Era irregular e bem disforme.
Como eu me acho uma pessoa normal, fiquei pensando na efemeridade da vida. Tive
esse insight na hora que ele proferiu as seguintes palavras: "to
contando". Ele quis dizer algo do tipo "to aqui para contar a
história, mas poderia não estar"... Comecei a me perder então em
pensamentos sobre a efemeridade da vida, como disse. Alguém colocou uma arma no
pescoço do cara com o cano sutilmente inclinado para cima e a queima roupa,
puxou o gatilho. O quanto vale a vida? Não tenho detalhes para vos informar que
pertences foram levados, mas parece bobo da minha parte tentar pensar nessas
miudezas quando sabemos que nada do que poderiam ter sido os espólios do crime,
vale meia vida, sequer.
Que experiência! Eu já achei fantástico ouvir esse causo, imagine-se como
foi para ele... Ok, ok, decerto foi traumático, mas o cara estava lá pra contar
a história! Pense por esse lado. Pense positivo. Bem, ele sabe que gosto tem
sangue, chumbo e pólvora queimada misturados em seu pescoço, subindo goela a
fora enquanto respirava dificilmente. Jogado no chão esperando ajuda incerta,
talvez. Sem saber o que ia acontecer. Talvez. Pensando em tudo o que ainda não
conhecera, e em alguns arrependimentos e mágoas. Possivelmente. Ele sabe que
gosto tem a hostilidade (des)humana que em troca de algumas dezenas ou centenas
de dinheiros, atentou contra sua vida. Não sei. Não me importo e não vem ao
caso. Não porque sou um insensível. Ao contrário, o caso todo mexeu muito
comigo. Mas o cara está muito bem. Na verdade, melhor que eu, que voltava para
casa só... :P Só estou pondo em jogo aqui o fato de ter tido a sorte de ouvir
essa história.
Vou levar algum tempo com ela em mente pra aprender alguma coisa. Mas
certamente ganhei muito, já de agora. a final, tudo pra mim é lição; tudo, experiência...
Mas veja bem, agora tenho um problema. Não sei por que linha de raciocínio devo
seguir. Vai ser outro turbilhão de imagens e palavras passando por minha cabeça
mais vagarosamente do que aquela bala passando pelo pescoço do camarada,
certamente. Bem, vou deitar e deixar fluir linhas diversas de raciocínio, mas
vou começar me perguntando: Quanto vale a vida? Com que velocidade podemos
perdê-la? Nossa única vida... Alguns perdem devagar, outros, de vagar... Alguns de nem se mexer, outros
ganham... Ele ganhou a vida dele. Rapaz de sorte, o Julian.